quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O Caminho para o Tao


O Tao de que se pode falar não será o Tao eterno.
Se pudermos dar-lhe um nome, não será o Tao eterno.
Aquele que não tem nome é a origem do céu e da terra;
Aquele que tem nome é a mãe de todas as coisas.
Assim, quando estamos sem desejo podemos observar indescritíveis maravilhas;
Quando estamos demasiado ávidos, não vemos mais que vestígios.
Ambos provêm da mesma fonte,
Mas trazem nome diferente.
Ambos são chamados Misteriosos.
O mistério do Misterioso é a porta que dá acesso às maravilhas indescritíveis.

2 – O CONHECIMENTO DIALÉTICO

Se o mundo concorda sobre a beleza, é porque existe a feiura.
Se todos concordam sobre o bem, é porque existe o mal.
O “ser” e o “não ser” nascem um do outro;
O difícil e o fácil são complementares;
O longo e o baixo nascem por comparação;
O alto e o baixo são interdependentes;
O som e o silêncio estão em mútua harmonia;
O anterior e o posterior são correlativos.
É por isso que o Sábio entrega-se ao Não-agir, e ensina silenciosamente.
As coisas inumeráveis são feitas sem a menor palavra.
A Natureza dá nascimento, mas nada possui.
Ela age, mas não exige nenhuma submissão.
Ela tem mérito, mas não o reclama.
O fato de que ela nada pretende a torna indispensável.

3 – O GOVERNO DO SÁBIO

Não exaltar os homens de valor impede as pessoas de rivalizar;
Não ambicionar coisas raras impede as pessoas de roubar;
Não exibir o que possa ser desejável evita profanar o coração das pessoas.
É por isso que o Sábio dirige sua vida esvaziando seu coração, reforçando seu estômago,
Suavizando suas ambições, reforçando seus ossos.
Fazei sempre de modo que as pessoas não tenham conhecimento nem desejo;
Fazei de modo que os intelectuais não ousem interferir.
Que haja não ação e nada ficará fora da ordem.

4 – O VAZIO INESGOTÁVEL

O Tao é um vazio, mas, quando dele se faz uso, não se esgota jamais.
Ele é tão profundo que parece ser a fonte de todas as coisas.
Embota o que é agudo, resolve os problemas;
Torna difuso o brilho que ofusca, unifica o mundo;
Que profundidade! Parece que há aí qualquer coisa.
Não sei de onde ele saiu.
Dir-se-ia que sua existência é anterior à do Ancestral.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Papo - Furado


" - Iminência...
- Você quer dizer 'eminência'.
- O quê?
- Você disse 'iminência'. O certo é 'eminência'.
- Perdão. Sou um servo, um réptil, um nada. Uma sujeira no seu sapato de cetim. Mas sei o que digo. E eu quis dizer 'iminência'.
- Mas está errado! O tratamento correto é 'eminência'.
- Não duvido da sua eminência, monsenhor, mas o senhor também é iminente. Ou uma eminência iminente.
- Em que sentido?
- No sentido filosófico.
- Você tem dois minutos para explicar, antes que eu o excomungue.
- Somos todos iminentes, monsenhor. Vivemos num eterno devir, sempre às vésperas de alguma coisa, nem que seja o almoço ou a morte. À beira do nosso futuro como um precipício. A iminência é o nosso estado natural. Pois o que somos nós, se não expectativas?
- Você, então, se acha igual a mim?
- Nesse sentido, sim. Somos coiminentes.
- Com uma diferença. Eu estou na iminência de mandar açoitá-lo por insolência, e você está na iminência de apanhar.
- O senhor tem esse direto hierárquico. Faz parte da sua eminência.
- Admita que você queria dizer 'eminência' e disse 'iminência'. E recorreu à filosofia para esconder o erro.
- Só a iminência do açoite me leva a admitir que errei. Se bem que...
- Se bem que?
- Perdão. Sou um verme, uma meleca, menos que nada. Um cisco no seu olho, monsenhor. Mas é tão pequena a diferença entre um 'e' e um 'i' que o protesto de vossa iminência soa como prepotência. Eminência, iminência, que diferença faz uma letra?
- Ah, é? Ah, é? Uma letra pode mudar tudo. Um emigrante não é um imigrante.
- É um emigrante quando sai de um país e um imigrante quando chega em outro, mas é a mesma pessoa.
- Pois então,? Muitas vezes a distância entre um 'e' e um 'i' pode ser um oceano. E garanto que você terá muitos problemas na vida se não souber diferenciar um ônus de ânus.
- Isso são conjunturas.
- Você quer dizer 'conjeturas'.
- Não, conjunturas.
- Não é 'conjeturas' no sentido de especulações, suposições, hipóteses?
- Não. 'Conjunturas' no sentido de situações, momentos históricos.
- Você queria dizer 'conjeturas' mas se enganou. Admita.
- Eu disse exatamente o que queria dizer, monsenhor.
- Você errou.
- Não errei, iminência.
- Eminência! Eminência."


Por: Luis Fernando Veríssimo